A Balada do Vira-Mundo

11:42

Me solta, gente, que eu quero atravessar a fronteira,
Eu quero ouvir saldades cantadas, choradas, suspiradas,
Molhodas de suor, na segunda classe, onde os emigrantes fazem
                                                                      mútuas confidências.
Eu quero sentir o vento levantando os meus cabelos revoltos.
Eu quero jogar o resto de tabaco do meu cachimbo nas ondas
                                                                                      revoltas.
Eu quero ver os olhos dos que procuram devassar os horizontes
                                              a ilusão de verem lenços acenando,
- Olhos tristes que lembram noites de amor e que geram poemas.

Me solta, gente, que quero atravesar a fronteira.
Eu quero ver se o beijo de Anor, que mora em Changai e bebe chá
                                                          na taça amarela de porcelana,
É mais doce que o de Dolores, que morreu na rua de Madrid, acenando o lenço vermelho no ar como se fosse uma serpente de sangue.

(O beijo de Anor pode ser mais doce, mas nunca há de ser  selvagem como o de Vera,
Que vive no amor, como a loba ferida nos gelos da estepe.

Me solta, gente, que eu quero ir com Wandapor este mundo á-fora,
Como dois ciganos sem rumo e sem destino.
Eu quero ver os olhos de Sara perdidos no cais, como duas estrelas
                                                                                                 negras,
Eu quero me sufocar no cheiro de tabaco daquela taberna escura
                                                                                       de Manilha.
Eu quero comprar corais daquele marujo  côr-de-cobre,
Para que eles pareçam, no colo alvo da minha pecadora,
Marcas sangrentas que os meus dentes fizeram.

Me solta, gente, que aquela menina araucana, morena, de olhos
                  pretos, está me dizendo que o mundo é muito grande,
Enquanto os Andes parecem pontos de admiração enormes, de
                                                                      cabeça para baixo,
Com pingos de condores quase invisiveis no alto, parados...
Me solta, gente, que eu quero atravessar a fronteira.
Me solta, gente, que os trilhos dos trens de ferro estão escrevendo
                                           meu destino no dorso infinito da terra!
Me solte, gente, que a brisa do mar está me chamando,
Me chamando.

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1 comentários

  1. Q linda poesia...'me solta gente", este poeta escrevem muito. Eu amei. parabéns.
    Claudia Almeida salvador
    claudinha@almeida.com

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